Narrativas de fatos quotidianos, de pessoas reais, em linguagem de fácil leitura, acessível a todos os leitores, com alguns nomes trocados. Acontecimentos nas vizinhanças, dentro de casa, no consultório e no ambiente de trabalho.
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
"Panha" do café
“Panha” do café
Quando a gente conversa com um roceiro, pode tocar em qualquer assunto que o comentário dele é sempre:
- Ah! É mesmo- acompanhado de um movimento afirmativo da cabeça.
Isso serve para qualquer assunto ou noticiário. Podemos falar do espaço sideral, planetas, computadores, internet, a reação é sempre a mesma. Não perguntam nada, não discutem, aprovam tudo. No começo pensei que estavam acompanhando a conversa, com o tempo descobri que absolutamente não estavam entendendo nada do assunto, mas como são espertos, não dão o braço a torcer.
Na casa da irmã de Geraldo, Fia, chegou um rapaz de boa aparência chamando por ela, do portão. Avisada da visita e ocupada com o almoço ela não se moveu e deu o recado de volta, para ele entrar. Era o responsável pela “panha do café”. Ele entrou e falou que ela apanhou dezenove sacos de café e três quartos. Fez a conta oralmente e perguntou a Geraldo se estava certo.
Não sei se Geraldo conhece fração. Ele parece ter sofrido um trauma violento com a escola porque se retrai a cada vez que tento ensinar alguma coisa para ele. Aprende sozinho por seu próprio método e acredito que a inteligência dele seja acima da média. Ele não respondeu. Falei:
- Repete a conta que você fez - O rapaz olhou para mim, rindo com zombaria. Parecia que ele não acreditava que uma mulher soubesse fazer contas. A maioria da roça não sabe nem assinar o nome.
- Ela encheu dezenove sacos de café e três quartos- ele respondeu.
- Quanto é um inteiro? – perguntei.
- Quatro quartos é um inteiro – ele explicou (tás brincando!)
- Quanto vale um inteiro? – perguntei, imperturbável.
- Um inteiro é oito reais – ele respondeu.
-Oito dividido por quatro dá dois, vezes três, seis. O valor é R$ 6,00. Quanto você calculou? – falei
- Eu calculei R$ 5,00 – ele respondeu (sabidinho)
- É seis, respondi, você divide 8 pelo número de baixo, 4 e multiplica pelo de cima, 3, dá seis.
Ele se desinteressou imediatamente pela minha conta e passou a conversar com Fia, explicando que não ia poder dar todo o dinheiro da “panha do café”, que ia pagar o resto depois, etc.
Nos meses em que acontece a “panha de café”, a maioria dos moradores vai para o campo. Alguns ganham carona em caminhões como nossos irmãos – como diria São Francisco de Assis – porcos e bois. Outros, com mais sorte, vão de ônibus. Ganham por produção. Alguns recebem um bom dinheiro nessas ocasiões. É difícil encontrar trabalhadores nesses meses. Serviço doméstico, por exemplo, é raro encontrar. Geraldo diz que o pobre, quando trabalha e consegue comprar arroz, óleo e macarrão, não se interessa em continuar trabalhando, isso é o suficiente para ele.
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