segunda-feira, 17 de junho de 2013

Condomínio: As Abelhas Desnorteadas


                                           Condomínio: As Abelhas Desnorteadas

 

                 Eu era síndica do meu prédio. O condomínio consiste em quatro prédios de três andares, cada um com seu síndico. Chegando a casa, voltando do trabalho, notei algumas abelhas voando ao redor das lâmpadas externas de cada portaria. De manhã o chão estava coalhado de abelhas mortas. Peguei a vassoura e varri, para abrir passagem para os moradores que estudavam e trabalhavam pela manhã.
          Toda tarde acontecia o mesmo: as abelhas surgiam e ficavam voando ao redor das lâmpadas. Os moradores estavam preocupados com o risco de alguma ferroada. De onde elas vinham?
               Fomos investigando até descobrir que elas saiam do telhado do prédio vizinho, ao lado do nosso. Telefonei para o síndico.
            - As abelhas não incomodam os moradores daqui – ele disse. - Se estão incomodando vocês, as abelhas são suas.
              Levei alguns segundos para esperar que meu queixo caído voltasse à posição normal.
            - Sr. Rubirosa, falei, se as abelhas são nossas, elas estão no telhado do seu prédio. Os trabalhadores vão precisar subir no seu telhado para retirar a colméia.
            Ele ficou aborrecido com o que eu falei e respondeu que pagaria metade do serviço. Aqui nos prédios sempre surge alguém com esse tipo de lógica, mas como nunca tive paciência para conversas compridas nem desejava criar atrito com vizinhos, acabei concordando.
            Fui para as páginas amarelas procurar um abelheiro – ou abelhudo? Alguns moradores me auxiliaram com informações úteis. É contra a lei matar abelhas, mas os homens encarregados da tarefa apareceram. Combinei o serviço com eles, o preço e deixei os detalhes por conta deles.
            No dia seguinte vi os homens com aquelas vestimentas brancas, o rosto coberto por véus ou algo semelhante, andando em cima do telhado do prédio vizinho, cuidando das abelhas. O problema foi resolvido.   
          O Sr. Rubirosa apareceu na manhã seguinte, trazendo sua parte do pagamento, visivelmente contrariado, ainda se sentindo lesado...
            Vá entender!

domingo, 2 de junho de 2013

O frango assado e o cobertor

O frango assado e o cobertor

           - Tenho vergonha ao me lembrar daquela época – disse Esmeralda, parecendo uma adolescente.
           - Contar pode servir para exorcizar os demônios interiores – falei.
           - Ele era casado...- ela começou.
           - Casado? – perguntei.
           - A solidão me empurrou para os braços de um homem casado. Eu acordava antes das seis horas da manhã, tomava banho, preparava o café e saia para trabalhar. Para minha surpresa, ele já estava com o carro estacionado à minha porta, para me dar uma carona até meu local de trabalho: uma verdadeira viagem, tão longe era da minha casa. Eu não o amava, mas fui me enredando e perdi a virgindade depois de seis meses. Havia aquele conflito de prazer, culpa, não era aquilo que eu queria, vergonha, o que eu faço agora, como sair disso, o que vai ser de mim...
         Uma noite, em um de nossos encontros, dentro do carro, ele me trouxe um frango assado. Falou que havia comprado um frango assado para a família dele e resolveu levar um para mim também. Se ele me trouxesse alguma coisa pequena seria melhor e mais fácil. Algumas empadinhas, um ou dois pães de queijo, algum salgadinho a ser consumido ali, no momento. Mas não, ele tinha de me trazer um frango assado.
         Cheguei em casa com aquilo, depois das 23h, coloquei em cima da mesa e meus pais estranharam. Nem me lembro o que falei, que explicação dei para aquele frango surgido à noite de qual supermercado... só me lembro da sensação de mal estar que experimentei ao colocar aquilo em cima da mesa.
         Tempos depois ele disse que queria me dar um presente e me perguntou o que eu queria. Falei que estava precisando de um pijama.
         Ao voltar do trabalho encontrei um embrulho grande em cima da minha cama. Perguntei o que era aquilo e minha mãe falou que um rapazinho havia trazido para mim. Devia ser o empregado que trabalhava para ele, fazendo pequenos serviços.
         Abri o embrulho e me deparei com um cobertor. Sentei-me na cama e chorei. Chorei de soluçar, por muito tempo. Aquele cobertor dizia: eu sou casado. Um solteiro, um namorado, jamais daria de presente um frango assado ou um cobertor à namorada. Chorei de vergonha, de ter de manter aparências, de lutar para fugir da língua da vizinhança, de levar uma vida dupla quando o que eu queria era apenas um marido, filhos, uma casa. E não ia ter nada daquilo com aquele companheiro. O que ele pensava? Que eu ia dormir nua, na casa de meus pais e me cobrir com o cobertor? E se precisasse ir ao banheiro à noite? Iria enrolada no cobertor?
         Chorei muito tempo. Depois de me acalmar telefonei para ele – era um telefone comunitário, onde outra pessoa atendia e depois o chamava. Falei que um embrulho dele havia parado por engano na minha casa, que aquilo não era para mim, era para a esposa dele. Ele resmungou alguma coisa e mandou o rapazinho à minha casa pegar de volta. Disse que o pijama era muito barato e resolveu me dar o cobertor, por ser um artigo mais caro... Depois disse que eu não sabia agradecer um presente.
         Dias depois fui a uma loja e comprei o pijama.
        - E como você resolveu essa situação? – perguntei.
        - Foi um comentário que ele fez. Estávamos no carro dele, ele olhava pensativo para frente e comentou que o destino dele era duplo.
         - Duplo? – perguntei.
        - Ele estava satisfeito com nós duas e queria continuar assim. Foi como um tapa na cara. Eu não ficaria com ele nem que se separasse da esposa. Era bruto e machão. Meses depois dei fim àquela história.

           Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, Esmeralda se levantou, caminhou para a porta e saiu.