Narrativas de fatos quotidianos, de pessoas reais, em linguagem de fácil leitura, acessível a todos os leitores, com alguns nomes trocados. Acontecimentos nas vizinhanças, dentro de casa, no consultório e no ambiente de trabalho.
segunda-feira, 17 de junho de 2013
domingo, 2 de junho de 2013
O frango assado e o cobertor
O frango assado
e o cobertor
- Tenho
vergonha ao me lembrar daquela época – disse Esmeralda, parecendo uma
adolescente.
-
Contar pode servir para exorcizar os demônios interiores – falei.
- Ele
era casado...- ela começou.
-
Casado? – perguntei.
- A
solidão me empurrou para os braços de um homem casado. Eu acordava antes das
seis horas da manhã, tomava banho, preparava o café e saia para trabalhar. Para
minha surpresa, ele já estava com o carro estacionado à minha porta, para me
dar uma carona até meu local de trabalho: uma verdadeira viagem, tão longe era
da minha casa. Eu não o amava, mas fui me enredando e perdi a virgindade depois
de seis meses. Havia aquele conflito de prazer, culpa, não era aquilo que eu
queria, vergonha, o que eu faço agora, como sair disso, o que vai ser de mim...
Uma
noite, em um de nossos encontros, dentro do carro, ele me trouxe um frango
assado. Falou que havia comprado um frango assado para a família dele e
resolveu levar um para mim também. Se ele me trouxesse alguma coisa pequena
seria melhor e mais fácil. Algumas empadinhas, um ou dois pães de queijo, algum
salgadinho a ser consumido ali, no momento. Mas não, ele tinha de me trazer um
frango assado.
Cheguei
em casa com aquilo, depois das 23h, coloquei em cima da mesa e meus pais
estranharam. Nem me lembro o que falei, que explicação dei para aquele frango
surgido à noite de qual supermercado... só me lembro da sensação de mal estar
que experimentei ao colocar aquilo em cima da mesa.
Tempos
depois ele disse que queria me dar um presente e me perguntou o que eu queria.
Falei que estava precisando de um pijama.
Ao
voltar do trabalho encontrei um embrulho grande em cima da minha cama.
Perguntei o que era aquilo e minha mãe falou que um rapazinho havia trazido
para mim. Devia ser o empregado que trabalhava para ele, fazendo pequenos
serviços.
Abri o
embrulho e me deparei com um cobertor. Sentei-me na cama e chorei. Chorei de
soluçar, por muito tempo. Aquele cobertor dizia: eu sou casado. Um solteiro, um
namorado, jamais daria de presente um frango assado ou um cobertor à namorada.
Chorei de vergonha, de ter de manter aparências, de lutar para fugir da língua
da vizinhança, de levar uma vida dupla quando o que eu queria era apenas um
marido, filhos, uma casa. E não ia ter nada daquilo com aquele companheiro. O
que ele pensava? Que eu ia dormir nua, na casa de meus pais e me cobrir com o
cobertor? E se precisasse ir ao banheiro à noite? Iria enrolada no cobertor?
Chorei
muito tempo. Depois de me acalmar telefonei para ele – era um telefone
comunitário, onde outra pessoa atendia e depois o chamava. Falei que um
embrulho dele havia parado por engano na minha casa, que aquilo não era para
mim, era para a esposa dele. Ele resmungou alguma coisa e mandou o rapazinho à
minha casa pegar de volta. Disse que o pijama era muito barato e resolveu me
dar o cobertor, por ser um artigo mais caro... Depois disse que eu não sabia
agradecer um presente.
Dias
depois fui a uma loja e comprei o pijama.
- E como
você resolveu essa situação? – perguntei.
- Foi
um comentário que ele fez. Estávamos no carro dele, ele olhava pensativo para
frente e comentou que o destino dele era duplo.
- Duplo? – perguntei.
- Ele
estava satisfeito com nós duas e queria continuar assim. Foi como um tapa na
cara. Eu não ficaria com ele nem que se separasse da esposa. Era bruto e machão.
Meses depois dei fim àquela história.
Antes
que eu pudesse dizer alguma coisa, Esmeralda se levantou, caminhou para a porta
e saiu.
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