quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Vida de um na ótica do outro.

Vida de um na ótica do outro.

               Diva veio me visitar. Deixei o computador ligado no corredor e fui para a sala, sentei-me  ao seu lado. Ela se lembrou da sogra falecida e começou a discorrer sobre minha vida.
                - D. Alice gostava muito de você, falou. Ela me disse que uma vez você foi ao apartamento dela perguntar como se cozinhava arroz e feijão.
                Eu? Pedir receita de arroz e feijão com D. Alice? Meu relacionamento com ela era superficial, nunca fiz isso – pensei.
                - Não me lembro disso – falei.
                Diva continuou:
                - Ela disse que depois disso você saiu de casa, se casou, ficou fora um ano, não gostou e voltou.
                Eu me casei com quem? Para haver um casamento é preciso que exista um marido...
                 - Eu não me casei, falei. Casei agora, com Geraldo. Nunca fui casada antes.
              - Ah, bom, devo ter entendido errado, ela respondeu. Então, você morou com alguém.
                - Sai de casa para ficar sozinha, não morei com ninguém. Sai por causa de Analice. A esquizofrenia dela estava insuportável. Ela se levantava de manhã falando pornografias e continuava assim, pelo resto do dia. Até que um dia falei com ela e mamãe: vou embora. As duas tomaram um susto, saíram da cozinha e se sentaram nas poltronas da sala. Em respeito à doença de minha irmã, minha mãe se omitia, era incapaz de chamar a atenção dela ou corrigir seus malfeitos e o ambiente familiar se tornava irrespirável.
                Falei com as duas: - Ainda não fui porque não tinha para onde ir. Aquela manhã a coisa havia se extrapolado e a decisão tomou conta de mim. Horas depois fui à cidade e comprei um fogão: tinha apenas uma trempe e um forninho. Sem pés. Maria me cedeu seu apartamento em Santa Efigênia. Coloquei o fogão em cima de uma mesa e chamei a companhia de gás para fazer a instalação. Nos dias seguintes ia ao supermercado e voltava com uma nova planta para colocar na sala. A iluminação era boa e as plantas cresciam rapidamente. Um ano depois voltei para casa.
                - Não gostou de morar sozinha?
                - Era bom, mas sentia muita solidão. Todo fim de semana eu voltava para cá, participava do almoço de domingo e depois retornava ao apartamento.
                Um ano depois Maria pediu o apartamento de volta, para alugar. Dei tudo: os sofás, para minha sobrinha. O fogão deixei lá, no apartamento.
                Só agora, dezenas de anos depois é que tomo conhecimento de que já fui casada, na visão dos vizinhos... Com um marido sem nome...

               Ainda bem que o marido invisível-imaginário era homem...