quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Cuidar & paparicar

Cuidar & paparicar

 (ano: 2010)
          Tive outro ataque de verborréia, no início desta semana. Estava tomando banho quando ouvi vozes na sala. Vesti-me e fui ver quem era. Diva estava sentada, combinando alguma coisa com Marilia. Comprar não sei o que para ela.
          - Por que você precisa da Diva para fazer suas compras? – perguntei – O Zé da Silva não está deixando você sair de casa?
                Para quem não sabe, Zé da Silva é o nome que dei ao “espírito” ou ser invisível que dita as ordens da vida dela. É a criatura que sempre diz que “hoje é o dia da morte” dela. Hoje é qualquer dia fora do quotidiano: Natal, carnaval, eleição, festa junina, viagem de outra pessoa, pipocas e vai por aí afora.  Ele é bastante trágico e ela obedece a cada mando dele, e jamais se convence da inveracidade de suas ameaças, apesar de constatar, anos a fio que nada aconteceu do que estava esperando.
          Falei tudo o que estava pensando. Que achava errado ela e Geraldo ficarem fazendo tudo o que Marilia queria. Que há dois meses Marilia não sai de casa para nada, nem para comprar pão, que eu fico esperando que ela compre, e ela acaba comendo biscoitos ou o que estiver em casa e no fim eu tenho de sair e comprar o pão – aqui na esquina, porque ela absolutamente não vai. Que ela não tem nenhum defeito nos braços e pernas e pode fazer suas compras sozinha. Que está com dificuldade para andar porque está sentada há dois meses, etc. e meu ataque de verborréia foi até o fim. Diva conservou a pose, falou com Marilia que eu falo para o bem dela, ma s que não queria provocar atrito e saiu.
          Geraldo, como sempre, ficou em silêncio e foi para o quarto. Depois de algum tempo, com muito cuidado (acho que eu sou perigosa) disse que eu estou muito cansada, esgotada e que ele vai voltar para Matipó o mais depressa possível, que vamos morar lá, mas posso vir aqui uma vez por mês, cuidar dos problemas.
          As pessoas não sabem a diferença entre cuidar e paparicar. Quando coloquei uma empregada doméstica aqui para tomar conta de Marilia, anos atrás, enquanto eu saía para trabalhar, ela me perguntou se era para fazer laranjada para Marilia... Mas...não é isso. (para quê? Se ela quiser laranjada pode fazer sozinha). Quando cheguei do trabalho encontrei Marilia sozinha em casa. Tive uma conversa com a empregada e falei que ela não havia entendido o seu trabalho: que ia voltar a fazer apenas a faxina e estava dispensada do trabalho com Marilia. Ela ainda achou ruim ter perdido o ganho extra.    
           Paparicar é fácil, mas contribui para o estacionamento, o estagnamento do paciente. Cuidar faz o paciente evoluir. Paparicar significa seguir a cabeça do paciente. Cuidar significa seguir a cabeça do cuidador.  Paparicar é por o penico (de preferência cheio de substancias malcheirosas) em cima da mesa de jantar porque o paciente quis assim. Cuidar é explicar ao paciente que o penico deve ficar no banheiro. Paparicar é deixar o paciente sem banho uma semana porque ele não quis se lavar. Cuidar é convencer ao paciente que os banhos são necessários por esta e aquela razão. Paparicar é deixar o adolescente dirigir na contramão sem carteira. Cuidar é ter autoridade para dizer não. Paparicar torna o cuidador escravo. Cuidar torna-o dono da situação e o seu trabalho mais leve.
               

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