quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Querendo fazer bonito

Querendo fazer bonito

 

            Senti o rosto ardendo de vergonha. Não tinha onde enfiar a cara. Entrei em casa e não escapei do olhar de meu irmão mais novo.

            Entrei no quarto, fechei a porta e me sentei na cama. Logo o carro de Gilberto, o irmão da namorada de meu irmão, o fusca azul, que ele adorava. Acho que ele gostava mais do carro do que de qualquer pessoa ou coisa viva. A vergonha estava no meu rosto, no meu corpo, que andou encolhido da sala ao quarto.

            Meu irmão bateu na porta e entrou, em seguida:

            - O que aconteceu? Bateu o carro?

            Era impossível esconder alguma coisa dele. Eu havia ajudado minha mãe a criá-lo. Fiz mamadeiras, troquei fraldas, dei banho, vesti como se fosse um boneco, escolhendo as roupas mais bonitas, as que combinavam, embalei-o para dormir, ri de suas brincadeiras, chamei a atenção quando fazia alguma coisa errada. Agora, depois de adulto, ao lado da namorada, na sala, havia-se tornado telepático e aprendeu a ler meus pensamentos, meu rosto, o sentimento de vergonha e decepção que carreguei como uma bandeira da sala ao quarto.

            - Joguei em cima de uma árvore – falei.

            - Puxa! O carro do Gilberto? Nossa!

            Mas também... quem mandou? Ele me azucrinou o tempo todo, foi criticando tudo, foi me depenando ao longo do caminho, que nunca pareceu tão longo como naquela tarde. O pior de tudo foi a minha intenção: era jovem e solteira e queria fazer bonito, mostrar a ele como eu sabia dirigir, fazer alguma coisa bem feita, ser admirada por ele, respeitada. Bem que ele não queria que eu tocasse no seu precioso carro. Fui me sentindo humilhada ao longo do caminho até que, de repente surgiu aquela árvore e quando vi, o carro estava debaixo dela.

            - Estragou muito?

            - Um pára-lama amassado, respondi.

            Foi parecido com aquela vez em que fui passar um fim de semana em Esmeraldas. Cheguei à noite, na casa de uma amiga, fui dormir e de madrugada ouvi sons de bois entrando debaixo da janela. De manhã vi que a casa tinha uma enorme extensão, no fundo, transformando-se em uma fazenda. Na frente, era cidade, no fundo uma fazenda. Dias depois um dos rapazes estava me contando, com orgulho, como sangrava um boi e o retalhava todo, usando apenas uma faca. Fiquei horrorizada e não disse nada. No dia seguinte ele estava de cama, com febre. Acho que joguei energia negativa nele. Ele também quis fazer bonito para mim e o resultado foi desastroso.

            Procurei o catálogo telefônico e liguei para algumas oficinas mecânicas, explicando o estrago e pedindo um orçamento. No dia seguinte fui ao banco, peguei a quantia equivalente ao conserto de um pára-lama, coloquei em um envelope e pedi ao meu irmão para entregar ao Gilberto.

           Foi a maneira que encontrei de me sentir melhor.

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