sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A tirania do fraco 2 Cortando as asas

                                                                    A Tirania do Fraco 2

                                                                      Cortando as asas

 

            Na época em que eu lecionava, entendia pouco de psicologia e desconhecia o jogo da manipulação, mas me sentia um zero à esquerda, desrespeitada e ridicularizada. Meu objetivo seguinte foi participar de cursos que me tirassem da sala de aula, onde eu não seria mais o espelho de alunos turbulentos, mal cheirosos, revoltados, agressivos e com dificuldade de aprender, sem nenhum interesse escolar além da merenda.

            Tentei, anos depois, promover um curso juntamente com uma psicóloga. Este curso englobaria técnicas corporais para promover relaxamento, recuperação do estresse acumulado ao longo da semana, maior entrosamento grupal, etc. Fiz um apanhado de tudo o que conhecia, escolhi músicas, comprei, com meu salário de professora, material para desenho e pintura, fiz cartazes de propaganda. Promovi aulas experimentais com a colega, que convidou sua filha e outro psicólogo. No final da aula, minha colega ria, deitada no carpete, com sua filha, dizendo não agüentar mais ouvir o Caetano cantando “o melhor lugar do mundo é aqui e agora” criticando as músicas, a falta de alunos na sala, transformando tudo em brincadeira, enquanto eu sentia uma tremenda sensação de fracasso. Para completar, promovi um horário para expressão artística e cada um de nós fez um desenho nos papéis enormes, que eu havia comprado. Pensei que, desenhando, eu teria liberdade de fazer o que quisesse e desenhei uma mulher voando, de asas leves. Sem que eu estivesse esperando, ela pegou o pincel e riscou as asas da mulher. Insisti nas asas, reforçando seu contorno com o pincel e ela, mais uma vez borrou meu desenho. No final da guerra silenciosa, as asas perderam a leveza. Ficaram pesadas e duras. O ambiente foi se tornando, também, a cada dia, mais pesado, a energia densa quase podia ser vista pairando no ar.

            O curso acabou antes de começar. Foi como um comerciante atear fogo ao próprio estabelecimento. Nossa amizade caiu por terra e nosso relacionamento se tornou superficial, com cumprimentos e conversas sem profundidade. Para que isso? Não seria muito melhor a cooperação, o apoio mútuo, o trabalhar juntas para, mais tarde, atrairmos alguns alunos? Se o relacionamento fosse de cooperação em vez de competição, mesmo que o curso não fosse adiante, ficaria uma lembrança leve e gostosa de algo que não deu certo, mas que deixou algo de bom.

            Sentada diante da tv assisto a um programa sobre obesidade mórbida. A pessoa, em cima de uma cama não consegue ir ao banheiro, lavar-se, vestir-se sozinha, etc. Pesa mais de quinhentos quilos, sua vida está em perigo, tem bolas de gordura, tipo tumor pendurados nas pernas e outras partes do corpo. Fico olhando aquilo e fazendo dezenas de perguntas:

            - Se a pessoa não consegue andar, é dependente, não é mesmo? Ela não consegue escolher seus próprios alimentos, não é mesmo? Ela não sabe quais são os alimentos que a tornariam mais saudável e dona de seu próprio corpo, não é mesmo? Ela não consegue se levantar da cama para comer um pedaço de pão, não é mesmo? Então como é que consegue comer toda essa comida que a torna paralisada, dependente, doente, deformada? Obviamente alguém está cozinhando para ela, não é mesmo? Como é que uma pessoa aceita cozinhar toneladas de alimentos, o dia inteiro, sem parar, para outra que não consegue se mover sozinha, nem sentar na cama? Se o poder está nas mãos do cozinheiro, porque ele não cozinha menor quantidade de comida, menos vezes ao dia, com horário marcado, substituindo o tipo de alimentação por outra mais saudável? Por que aceita essa escravidão, fazendo o trabalho de um restaurante, vendo o outro deteriorar-se a cada dia se o poder está em suas mãos? Não seria mais fácil cruzar as colheres e dizer:

            - Você quer comer duzentas lasanhas hoje? Então se levante da cama e cozinhe.- e antes de ultrapassar a porta de saída, acrescentar: - e compre os ingredientes com seu dinheiro. Mas, para o cozinheiro, de um modo geral a mãe, isso seria falta de amor... Será?

            Na Faculdade de Psicologia, um grupo de colegas preparou uma aula sobre um determinado tema. Na  hora em que começaram a apresentar à turma seu trabalho, um colega, visivelmente alterado por alguma substância química, entrou na sala e sentou-se na cadeira da frente e começou a cortar tudo o que as colegas falavam. A professora não fez nenhuma intervenção, talvez acreditando que ali só havia adultos. Afinal todos já haviam passado dos vinte anos. Poderia dizer, sem ofender ninguém, que o rapaz poderia dar sua opinião sobre o assunto depois que as colegas terminassem sua exposição. No final da explanação, que se tornara exaustiva, da aula transformada em desastre, uma das colegas perguntou ao baderneiro onde ele havia feito pesquisa sobre o assunto, porque elas levaram vários dias pesquisando, estudando, para poderem dar aquela aula.

Uma vez minha mãe contou uma fábula: “Deus criou os animais. O diabo viu as borboletas, os pássaros, os animais, os peixes, os vaga-lumes brilhando na noite e disse: - Eu também sei fazer isso. E criou os ratos, as cobras, as baratas, os pernilongos, os piolhos, os carrapatos, as moscas...”

 

 

 

 

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