quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Essas coisas são mandadas...

Essas coisas são mandadas...

          A manhã começou de forma estranha. Depois do café da manhã, peguei a garrafa térmica e levei para a cozinha. De repente ela escorregou de minha mão e foi parar no chão. De uns tempos para cá isso tem acontecido com certa freqüência. Já quebrei xícaras e uma forma de pirex novinha, da mesma maneira. Com medo de ter-se quebrado e haver cacos de vidro no café, derramei tudo na pia. Por algum motivo ela não se quebrou.
          Geraldo saiu e logo em seguida tocaram a campainha. Era um homem ainda jovem, escuro, vestido normalmente. Veio todo sorridente para mim – sempre desconfio de desconhecidos sorridentes – e disse que queria um favor meu, não era dinheiro, queria um serviço. Respondi que não tinha nenhum. Disse, então que estava com fome e queria pão e café. Expliquei que não tinha pão nem café, que havia jogado o café fora.     
          - Eu querendo café e a senhora joga o café fora, ele reclamou.
          Eu me esqueci de comprar uma bola de cristal.
          Disse então que, se eu tivesse roupas velhas... Expliquei que isso era com meu marido, que tinha saído, mas que ia voltar em seguida. Falei do marido para impor respeito. Homem só respeita outro homem.
          - Ah seu marido, é? Ele vai voltar logo?
          Bolinha chamou o homem, ele foi lá e voltou com algumas peças de roupas. Dei a ele duas bananas, porque conclui que uma só não ia matar a fome dele. Ele comeu as bananas e disse que só aquilo não era o bastante para ele.
          Era só o que faltava...
          - Banana é melhor do que pão, falei e sai da janela, vendo que a história ia render.
          Ele continuou reclamando. Talvez ele esperasse que eu fosse comprar pão para ele, talvez um queijinho com geléia, preparar outra garrafa de café, quem sabe? Talvez um leitinho quente...
          Lembrei-me de minha mãe, que pensava fazer caridade caindo no jogo de amabilidades desses tipos. Eles vinham cheios de sorrisos e atenção e sempre ganhavam um dinheirinho. Fiquei pensando que a intenção dele era que eu abrisse a portaria para ele poder entrar e fazer sei lá o quê, já que o café e o pão não iam passar pelas malhas da rede da janela. Como entreguei as bananas pelas aberturas da rede, ficou decepcionado.
          - A senhora está  negando comida a quem tem fome...
           Fala obrigado, que é mais bonito.
          Pensei nos vizinhos, o que eles deram para ele comer? Nada.
          As reclamações continuavam:
          - A senhora ainda vai passar pelo que eu estou passando – estava rogando praga em troca das bananas.
          Cada um dá o que tem.
          Falei um palavrão baixinho e ele escutou.
          - Que coisa feia uma mulher velha falando palavrão, ele disse.
          É nessas horas que algumas pessoas perdem a cabeça e dão um tiro num cara desses.
          A sexagenária deu um tiro no pobre homem que lhe pediu café com pão.
           O tempo ia passando e ele não desistia.
          - Eu ainda estou aqui, ele dizia.
          Peguei o telefone e disquei para Geraldo.
          - Onde você está? Tem um cara aqui perturbando-falei.
          Do corredor olhei a sala; ele havia colocado uma blusa de lã azul, presa nas malhas da rede da janela. Uma das peças de roupa que o Bolinha deu para ele. Pensei em empurrar para fora com uma vassoura, mas seria provocação. Deixei aquilo lá.
          Ouvi a voz de Geraldo.
          - O que é isso aqui? Pegou a blusa e foi atrás do homem. Entre várias coisas que falou mandou-o trabalhar em vez de ficar perturbando as pessoas.
          - Então arruma emprego para mim, ele respondeu.
          - Na esquina estão oferecendo serviço para pedreiro, Geraldo respondeu. – é verdade, em todas as obras aqui do bairro existe um cartaz pedindo pedreiro. Entrou em casa e disse:
          - Ele ficou aqui muito tempo. Quando chegou eu estava saindo, fiz um monte de coisas antes de voltar, falou.
          Acho que Marilia é que está certa. Não atende campainha.   

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